Uma reflexão sobre a Confessionalidade dentro da Igreja Presbiteriana
do Brasil
Por: Rev. Augustus Nicodemus Lopes
Alguém
pode perguntar qual a necessidade das igrejas históricas terem uma confissão
de fé escrita e oficial. Será que a antiqüíssima confissão bíblica
"Jesus Cristo é o Senhor", devidamente qualificada e entendida, não
seria suficiente para expressar as coisas fundamentais em que cremos? Não é
tão simples assim. Muito embora a confissão cristã mais lata e antiga fosse
simplesmente "Cristo é o Senhor", rápida e gradativamente, ainda no
período apostólico, ela foi sendo mais e mais qualificada e explicada, à
medida que a Igreja apostólica enfrentava o surgimento de movimentos como o
dos "espirituais" de Corinto, do protognosticismo, do legalismo
judaico e da heresia de Colossos. Há claras evidências nos escritos
neotestamentários de confissões mais elaboradas voltadas para a pessoa de
Cristo, como por exemplo, Filipenses 2.5-11, Colossenses 1.13-20 e 1 Timóteo
3.16.
Logo após o período apostólico, a Igreja
sentiu a necessidade de explicitar ainda mais a fé que professava, à medida
que novos desafios doutrinários e práticos foram surgindo. Assim, surgiu o
Credo Apostólico, uma das primeiras tentativas de sistematizar e explicar em
que os cristãos criam. Só dizer "Jesus é o Senhor" não era
suficiente. Arianos, nestorianos, pelagianos, maniqueístas e outros eram
capazes de fazer a mesma afirmação. Mais e mais a Igreja precisava deixar
claro qual Cristo ela confessava como Senhor. Assim surgiram os grandes
credos ecumênicos, a maior parte deles antes do século V.
Portanto, a frase "Cristo é o Senhor"
não bastaria para expressar adequadamente em nossos dias o que é essencial no
cristianismo e no presbiterianismo. Católicos, espíritas, testemunhas de
Jeová, mórmons, liberais, neo-ortodoxos, neopentecostais e outros mais não
teriam dificuldade em adotá-la. O lema adotado pela "Igreja Universal do
Reino de Deus", e que se encontra postado no frontispício de cada um de
seus templos, é exatamente "Jesus Cristo é o Senhor". Assim,
torna-se necessário expressarmos nossa fé em Cristo de forma qualificada e mais
detalhada. É aí que entram os credos e as confissões.
A tradição calvinista tem produzido e
adotado confissões que, embora elaboradas em locais e épocas diferentes, são
unânimes em seus pontos centrais. Os calvinistas puritanos que escreveram na
Inglaterra a Confissão de Fé de Westminster, adotada pela IPB, aprenderam dos
calvinistas continentais. João Knox e outros pastores foram ao continente
aprender com Calvino. As confissões produzidas por puritanos e continentais
têm diferenças meramente de ênfase, liturgia, política e atitude para com
governo e Estado. Os calvinistas puritanos escreveram a Confissão de Fé de
Westminster e os continentais outras Confissões, como os Cânones de Dort, o
Catecismo de Heildeberg e a Segunda Confissão Helvética. Entretanto, não há
diferença substancial entre elas. Nenhum arminiano, ariano, pelagiano,
nestoriano, unitariano, liberal ou neopentecostal as subscreveria em sã
consciência. Para saber o que os calvinistas continentais e puritanos
confessam em comum – e aí teríamos a definição do que seria calvinismo – é só
tomar as confissões que produziram e sintetizar suas doutrinas. Perceber-se-á
que aquilo que os une é imensamente maior que as diferenças em questões
secundárias.
Apesar da tradição calvinista ter
continuado a crescer e a amadurecer, as igrejas reformadas hoje continuam
adotando as mesmas confissões elaboradas pelos calvinistas puritanos e
continentais. Não surgiu nenhuma nova confissão de fé reformada em séculos
recentes. O que tem acontecido é que algumas igrejas reformadas simplesmente
abandonaram as confissões como expressão da fé que professam, como a Igreja
Evangélica Suíça, que no século passado abandonou a Segunda Confissão
Helvética e em seguida, até mesmo o credo apostólico. Infelizmente, o progresso
tem sido no sentido de afastar-se mais e mais da fé professada pelos
primeiros calvinistas, que se encontra sintetizada nas grandes confissões.
Alguns rejeitam a confessionalidade
pensando que a confissão adotada pode vir a substituir a Bíblia, e ser tomada
como inerrante. Embora alguns sempre possam cair neste erro, até onde
sabemos, esta nunca foi a posição de nenhuma Igreja reformada séria. O fato,
por exemplo, de que a Igreja Presbiteriana do Brasil adota "como sistema
expositivo de doutrina e prática a sua Confissão de Fé e os Catecismos Maior
e Breve" (CI, Art. 1) não significa que considera os mesmos inerrantes.
Por outro lado, somente o Supremo Concílio, órgão que tomou a Confissão como
expressão de fé da IPB, pode reexaminar e questionar a Confissão à luz da
Bíblia e propor mudanças e emendas. Cabe aos oficiais presbiterianos, por
força de juramento e lealdade à sua consciência, manter e defender
publicamente a doutrina exposta na Confissão, até que o Supremo Concílio
resolva alterá-la; ou, pelo menos, não falar contra ela publicamente, mas
somente nos fóruns competentes.
Adotar uma confissão de fé, como a Igreja tem
feito, significa admitir implicitamente que a Bíblia tem um sistema de
doutrinas que pode ser organizado e proposto, e assim, crido e praticado. Não
há nisto nada de racionalismo ou cartesianismo. Muito embora devamos rejeitar
os aspectos do racionalismo que vão contra a verdade bíblica, devemos
reconhecer que há aspectos com os quais podemos concordar, como o conceito de
que existem princípios e verdades absolutas, em contraste com o relativismo e
o pluralismo da pós-modernidade.
Lembremos ainda que há historicamente duas
posições gerais dentro das igrejas reformadas quanto à atitude confessional
dos seus oficiais. Algumas adotaram uma atitude mais lata, em que a confissão
de fé é vista apenas como referencial histórico ao qual os oficiais não
precisam prestar compromisso de fidelidade. Outras preferiram uma atitude
confessional mais estrita, em que a confissão adotada funciona realmente como
expressão doutrinária e norma prática da denominação, à qual seus oficiais
prestam lealdade no ato da sua ordenação. A primeira atitude permite uma
diversidade maior de teologias, práticas ministeriais e pastorais e
comportamentos éticos debaixo do guarda chuva da denominação, que num
primeiro momento parece garantir a unidade organizacional da mesma; mas ao
final, deixa a denominação sem controles administrativos e institucionais
para impedir a entrada do liberalismo teológico, do neopentecostalismo e de
movimentos eticamente questionáveis (casamento entre homossexuais e ordenação
de pastores homossexuais). Tal tem acontecido em denominações presbiterianas
e reformadas ao redor do mundo, quando adotaram o confessionalismo lato.
Já uma confessionalidade mais estrita, embora
possa parecer mais divisiva a princípio, permite que a denominação tenha ao
menos um referencial interpretativo para tratar seus problemas internos
referentes a questões doutrinárias e práticas. Entendo que a IPB, em seus
documentos oficiais, adota esta posição de confessionalidade mais estrita.
A IPB adota como sistema expositivo de
doutrina e prática a sua Confissão de Fé e os Catecismos Maior e Breve (Art
1, CI-IPB). Aparentemente, não é uma questão se a confissão e os catecismos
são a melhor ou a única maneira correta de interpretar as Escrituras, mas sim
que são o sistema expositivo de doutrina e prática adotado pela IPB. Este
posicionamento tem sido seguido coerentemente pela IPB ao longo dos anos. O
Supremo Concílio e sua Comissão Executiva, respondendo consultas, tomando
decisões sobre pontos controversos ou decidindo sobre questões éticas,
invariavelmente seguiram uma linha de confessionalidade estrita. Em 1958,
respondendo a uma consulta sobre a impetração da bênção matrimonial a
descrentes, o Supremo Concílio empregou entre outros considerandos o silêncio
da Confissão de Fé sobre o assunto (SC-58-102). Neste mesmo Concílio, a
consulta sobre as penas eternas foi respondida assim: "segundo os
ensinos da Palavra de Deus e consubstanciados na confissão de Fé, cap.32,
seção I, só há dois lugares para onde irão as almas após a morte"
(SC-58-103). Em 1962 o Supremo respondeu a questão de sua continuação no
Concílio Internacional de Missões e as relações deste Concílio com o Concílio
Mundial de Igrejas com a decisão de "não subscrever... nenhum
pronunciamento que importe em conflito com a Confissão de Fé, os Catecismos e
a Constituição Vigente da IPB". (SC-62-126).
Na mesma linha de confessionalidade
estrita, a Comissão Executiva de 1968 insistiu junto aos presbitérios que
"todo seminarista, ao ser admitido ou ordenado ao Ministério da IPB,
reafirme sua crença nas Escrituras Sagradas como Palavra de Deus, bem como a
sua lealdade à Confissão de Fé, aos Catecismos e à constituição da Igreja
Presbiteriana do Brasil" (CE-68-039). No Supremo de 1969 a Igreja
caracterizou como cisma, entre outras coisas, "Quando um concílio ou
qualquer outra comunidade presbiteriana, totalmente ou em parte, adota
doutrinas ou práticas contrárias à Confissão de Fé da Igreja, separando-se do
seu corpo e da sua comunhão" (SC-69E1-002). O Concílio poderia ter
mencionado as Escrituras, mas sabe que a Igreja adota a Confissão como
sistema expositivo da mesma, servindo, portanto, de referencial para as decisões
do Concílio.
Esta atitude de confessionalidade estrita
tem continuado com os anos. Em 1990 o Supremo resolveu "Reafirmar a
nossa fidelidade às Sagradas Escrituras, à Confissão de Fé e aos Catecismos
Maior e Menor", diante de insinuações de que a Igreja estava perdendo
sua identidade reformada (SC-90-143). Em 1992, quando o assunto do divórcio e
novo casamento foi trazido novamente ao plenário, a Comissão Executiva mais
uma vez apelou para a Confissão de Fé em busca de uma solução (CE-92-069). Em
1994 o Supremo recomendou aos concílios sob sua jurisdição que incentivassem
as Igrejas "ao estudo sistemático dos símbolos de fé da IPB, maior
destaque para a Confissão de Fe e Catecismos" (SC-94-234 - Doc. CVII).
A Pastoral da Comissão de Liturgia às
Igrejas e Pastores, aprovada pela CE de 1995 (CE-95-124 - Doc. CVIII) tratou
da questão dos cânticos usados no culto dizendo que "Os cânticos usados,
congregacionais ou não, devem estar em harmonia com uma Teologia Bíblica Sã,
com nossos Símbolos de Fé e com o momento do culto em que eles forem
cantados. Tais parâmetros devem ser estudados, comparados com o que a Bíblia
nos ensina e com o que nossos Símbolos de Fé interpretam (especialmente o
Capítulo XXI de nossa Confissão de Fé). Em 1998, quando veio uma consulta sobre
situação de membros não casados civilmente, mas vivendo sob contrato em
cartório, a CE mais uma vez apelou para a Confissão (CE-IPB/98 160 - Doc. Nº
CLX ): "a Igreja Presbiteriana do Brasil aceita apenas o Casamento Civil
como vínculo legal do matrimônio, conforme a Confissão de Fé de Westminster
capítulo XXIV". No Supremo Concílio daquele mesmo ano, respondeu-se uma
consulta sobre o "bater palmas" e "forte expressão
corporal" nos cultos, considerando entre outras coisas o ensino da
Confissão, que "... O modo aceitável de adorar o verdadeiro Deus é
instituído por Ele mesmo e tão limitado pela sua vontade revelada, que não
deve ser adorado segundo imaginações e invenções dos homens ou sugestões de
Satanás nem sob qualquer outra maneira não prescrita na Santa Escritura"
(Confissão de Westminster, 21.1) (SC-IPB/98 – DOC. CXIII).
Penso que estes poucos exemplos (há muito
mais, para os que desejam gastar algum tempo diante do CD contendo o Digesto
Presbiterianio) mostram que a IPB sempre entendeu a Confissão de Fé, não como
uma mera referência histórica, mas como o sistema expositivo de doutrina e
prática por ela adotado, valendo-se dela em suas decisões, respostas e
planejamento.
|
________________________________________________
POSICIONAMENTO DO SUPREMO CONCÍLIO DA IPB QUANTO AO MOVIMENTO “MARCHA PARA JESUS”.
POSICIONAMENTO DO SUPREMO CONCÍLIO DA IPB QUANTO AO MOVIMENTO “MARCHA PARA JESUS”.
SC-IPB-2006
Doc. CXLVIII – Quanto ao Doc. 161, 168 e 289 -Ementa: Consulta quanto ao
movimento “Marcha para Jesus”, à veiculação do evento no Brasil Presbiteriano e
à solicitação de posicionamento da IPB.
Considerando:
1)
que estabelece o art. 97 na alínea “m” e em seu parágrafo único;
2)
apesar de serem realizados eventos em locais diferentes por outras lideranças
evangélicas, existe certa unidade entre eles quanto à natureza, ao propósito,
às datas e à teologia. Tanto o uso da marca e do nome “Marcha para Jesus”,
quanto a inexistência de qualquer esforço para distinguir-se daquele realizado
em São Paulo-Capital demonstram tal unidade.
3)
que na “Marcha para Jesus” – SP houve participação de grupos gays que se
consideram evangélicos, com ampla divulgação na imprensa, sem qualquer
pronunciamento por parte da liderança do evento.
4)
Que o CARÁTER TEOLÓGICO do evento é CONTRÁRIO às SAGRADAS ESCRITURAS e aos
Símbolos de Fé da IPB, a saber: a) Teologia da Prosperidade; b) Confissão
Positiva; c) Batalha Espiritual (inclusive Espíritos Territoriais); d) Teologia
Triunfalista; E outros,
O SC-IPB-2006 RESOLVE:
1)
Pronunciar-se contrário à participação de seus concílios e membros na “Marcha
para Jesus” e movimentos ou eventos de natureza teológica similar;
2)
Determinar aos concílios e aos pastores que orientem suas igrejas para que não
se envolvam com eventos e movimentos dessa natureza;
3)
Lamentar que a matéria jornalística publicada no Brasil Presbiteriano – BP
(julho de 2005) noticie indevidamente a participação da IPB no evento, e
recomendar ao BP maior cuidado em suas reportagens a fim de não comprometer o
nome e a imagem da IPB;
4)
Determinar ao BP que publique matéria em igual proporção e destaque da matéria
de julho de 2005 sobre o assunto em questão, na qual deverá apresentar as
razões pelas quais a IPB não participa do movimento ou evento.
________________________________________________PENTECOSTALISMO, NEOPENTECOSTALISMO
E O TRABALHO DO ESPÍRITO SANTO
Por: Solano Portela
O pentecostalismo se
fundamenta em alguns pontos essenciais básicos, tais como: (1) a identificação
do mover do Espírito Santo de Deus; (2) a aceitação de uma categoria de crentes
especialmente agraciada pela graça divina; e (3) a precedência da experiência
sobre a revelação objetiva das Escrituras, para a formulação de doutrinas.
Nossa compreensão desses
pontos, segundo um exame da Palavra de Deus, determina onde nos posicionamos no
confuso quadro eclesiástico contemporâneo: se com a interpretação dada pelos
símbolos da fé reformada (Confissão de Fé de Westminster e seus catecismos) ou
com o evangelicalismo contemporâneo, cuja maior característica comum parece ser
a aceitação da doutrina pentecostal cruzando linhas denominacionais.
O propósito deste artigo não
é realizar, individualmente, um estudo sobre línguas, cura ou profecias, mas
tratar os conceitos básicos do pentecostalismo e os seus reflexos na igreja
local. A compreensão doutrinária dessas questões, pode determinar a ênfase da
nossa mensagem; os nossos objetivos de vida como cristãos e até a prática
litúrgica das igrejas.
Do segundo século até o século dezenove, não existe evidência histórica de que os cristãos fiéis, de teologia ortodoxa falassem línguas estranhas, praticassem a “cura divina” em reuniões ou se guiassem por novas profecias. Todas essas coisas, entretanto, caracterizam o pentecostalismo e o chamado “movimento carismático” contemporâneo, incluindo o neopentecostalismo.
Essa busca pelo inusitado e
pelo sobrenatural, fora das prescrições das Escrituras, na história da igreja,
sempre foi característica de grupos considerados como heréticos, desde os
seguidores de Montanus (montanistas), no segundo século até aqueles liderados
por Edward Irving, no século 19 da era cristã.
A história do pentecostalismo
moderno é normalmente classificada como tendo ocorrido em três ondas distintas:
a. A primeira onda – Pentecostalismo Clássico. Teve início em 1901, quando a sra. Agnes Ozman, nos Estados Unidos, disse ter recebido o batismo do Espírito Santo e falado línguas. A prática foi incorporada ao movimento Holiness. Um outro evento mais conhecido deu-se em 1906, quando se relatou o falar em línguas em uma igreja na rua Azusa (Azusa Street Mission), estado da Califórnia. Desses dois eventos procede a maioria das igrejas pentecostais históricas, como a Assembleia de Deus e a Igreja do Evangelho Quadrangular.
b. A segunda onda – Pentecostalismo recente ou Renovação Carismática. Semelhantemente ao movimento pentecostal anterior, enfatizou os “dons extraordinários”, com grande ênfase ao “dom de línguas”. A grande diferença é que as linhas denominacionais foram quebradas e a visão doutrinária pentecostal atingiu várias igrejas. O ano de 1960 marca o início desta onda, em uma igreja Episcopal da Califórnia, na qual se observou o falar em línguas. A própria imprensa secular deu destaque ao acontecimento. O movimento, nos Estados Unidos, se espalhou pelas universidades, entre organizações para-eclesiásticas, tais como a ABU. Além de atingir denominações tradicionais, como luteranos, presbiterianos e metodistas, penetrou nos católico-romanos, partindo da universidade de Notre Dame, formando o movimento dos “católicos carismáticos”, que perdura até hoje. A maior característica desse período foi a determinação dos persuadidos pelos ensinamentos pentecostais, a permanecerem nas denominações de origem, “renovando-as”.
c. A terceira onda – O
movimento de sinais e maravilhas – o Neopentecostalismo. A designação “terceira
onda” foi cunhada por Peter Wagner, em 1983, um dos proponentes do movimento de
crescimento de igrejas. Ele escreveu que as duas primeiras ondas continuavam,
mas agora o Espírito estaria vindo em uma “terceira onda” com sinais e
maravilhas. Temos aqui, também, o surgimento do movimento Vineyard, que conseguiu
adeptos e transformou-se em uma denominação, propagando o que ficou conhecido
como “evangelismo do poder” (power evangelism) – o evangelho é propagado e
demonstrado por sinais e maravilhas sobrenaturais. O dom de línguas, neste
estágio, recebeu uma ênfase menor do que o de “profecias”, curas e realização
de efeitos especiais e sobrenaturais – muitas vezes sem razão ou conexão
aparente – tais como: quedas, risos, urros, dentes de ouro, etc.
No Brasil, essas “ondas”
foram quase simultâneas. A Congregação Cristã foi a primeira igreja
pentecostal estabelecida, em 1910, seguida da Assembleia de Deus, em 1911. Na
década de 1960 tivemos o surgimento do movimento carismático e de renovação, em
várias denominações, e, atualmente, vivemos a “terceira onda”, com o neopentecostalismo.
O pentecostalismo e seus
derivados contemporâneos se coloca como uma posição doutrinária saudável que
sabe identificar o “mover do Espírito Santo de Deus”. Será que essa
identificação é bíblica? Será que a fé reformada está deixando de reconhecer o
trabalho do Espírito Santo nos dias de hoje?
O neopentecostalismo tem em
comum com o pentecostalismo, a ênfase na experiência, e muitas das doutrinas
relacionadas com os dons extraordinários (operação de milagres, falar em
línguas, novas revelações). O neopentecostalismo, entretanto, é caracterizado
por cruzar os limites das denominações pentecostais, formando novas
denominações com peculiaridades mais intensas e penetrando nas demais
denominações.
O grande ponto de
dissociação, entretanto, entre o pentecostalismo e o neopentecostalismo se dá
na compreensão da doutrina das Escrituras. A ênfase na experiência, do
pentecostalismo, nunca chegou a soterrar totalmente a importância da Palavra e
pontos de tensão foram resolvidos, em muitas ocasiões, com a primazia da
própria Palavra. Nesse sentido, por exemplo, a insistência inicial na total
ausência de estudo bíblico formal (seminários, institutos bíblicos), uma vez
que a pregação viria “por revelação”, deu lugar à visão mais bíblica e mais
sóbria, da necessidade do estudo e na aplicação ao aprendizado; as próprias
“cruzadas de milagres”, populares na década de sessenta, no Brasil, foram
suplantadas por estruturas denominacionais mais comprometidas com a
evangelização aos segmentos mais esquecidos da sociedade, ao discipulado e à
formação de um caráter cristão nos congregados. De “denominação de vanguarda”
os pentecostais foram se revelando conservadores em inúmeras doutrinas e, em
não raras ocasiões, exercitam a disciplina eclesiástica de forma coerente e
bíblica.
O neopentecostalismo,
entretanto, abraçou vários ensinamentos próprios – esses nem sempre com
respaldo ou analogia bíblica. No neopentecostalismo, é básica a adesão ao
espetacular e extraordinário, como sendo características inerentes ao próprio
exercício da fé cristã, mas existem outras peculiaridades doutrinárias, tais
como:
a. O culto à
prosperidade e a busca ávida dessa, como norma de vida.
b. A operação de
maravilhas que não têm valor intrínseco ou lógico em si (como o riso
desenfreado, o cair pela passagem de um paletó, ou o aparecimento de dentes de
ouro).
c. A necessidade de
identificação das entidades demoníacas que controlam a vida e os afazeres de
uma determinada localidade ou setor geográfico, como condição básica para se
ganhar a batalha espiritual que resultará no crescimento da igreja.
d. A utilização de
formas linguísticas e chavões que implicitamente possuiriam valor espiritual
inerente, devendo ser utilizados de maneira declaratória, nos cultos e
concentrações públicas, como parte desta batalha espiritual (“eu o amarro!”,
“declaro esta cidade liberta!”, etc.), muitas vezes acompanhadas de orações
pré-fabricadas, apresentadas como poderosas em si.
e. A identificação de
doenças e problemas psicológicos como formas veladas de possessão demoníaca.
Nessa visão, todo crente é conclamado a ver como fenômeno sobrenatural
problemas que a Igreja sempre tratou como consequências naturais do pecado.
O trabalho do Espírito Santo
segue diretrizes bíblicas claras e coerentes com as tarefas da Trindade e isso
nos dá uma maneira de reconhecer o Espírito de Deus. O ponto chave, que
encontramos na Palavra de Deus é que o trabalho do Espírito Santo é revelar o
Filho.
Nesse sentido, temos várias
declarações explícitas de Jesus Cristo. Em Jo 14.26 Jesus diz: “o Consolador, o
Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as
coisas e vos fará lembrar tudo o que vos tenho dito”. A atividade aqui descrita
do Espírito Santo é, portanto, ensinar e fazer lembrar as coisas que Jesus
Cristo disse, isto é: testemunhar da pessoa e obra de Cristo.
Em Jo 16.14 lemos: “Ele me
glorificará porque há de receber do que é meu, e vo-lo há de anunciar”. A
glorificação é à pessoa de Cristo. A anunciação que o Espírito Santo faz é da
obra e da mensagem de Cristo. Disso faz parte, também, o trabalho regenerador
do Espírito Santo na conversão dos descrentes.
O Espírito Santo não
trabalha, portanto, independentemente da obra de Cristo, como pregam todos
aqueles que enfatizam o culto ao Espírito Santo e acabam por desviar os olhos
dos fiéis da pessoa de Cristo. O Espírito Santo não vem como “uma segunda
bênção”, nem vem realizar fenômenos sem sentido ou fora do contexto revelador
de Cristo, tais como curas espetaculares, risos santos, quedas, urros, dentes
de ouro ou quaisquer outras maravilhas glorificadoras dos homens que as
realizam. Ele vem selar o trabalho de Cristo na vida do crente, abrindo-lhe o
coração à conversão, batizando-o com a abençoada regeneração, fazendo morada no
coração de todos os salvos, promovendo a comunhão cristã, edificando o Corpo de
Cristo, iluminando o entendimento e operando o crescimento em santificação.
Semelhantemente às heresias
do montanismo, do segundo século, muitas distorções contemporâneas são fruto de
ideias de pessoas, querendo “melhorar” o que Deus estabeleceu em sua perfeição
e em Sua Palavra. Assim fazendo, elas superenfatizam a terceira pessoa da
Trindade, praticamente tornando a pessoa e o trabalho de Cristo secundários às
ações do Espírito Santo.
Logicamente, queremos ter
muito cuidado, pois nenhum crente deseja atribuir o poder do Espírito Santo em
Jesus Cristo a demônios (Mc 3.22-30). Como reconhecer o trabalho do Espírito
Santo de Deus? Três critérios nos auxiliarão:
(1) O fim principal do
trabalho do Espírito é a glória de Deus. Cristo, cheio e liderado pelo próprio
Espírito, assim especificou – Jo 4.34; 5.19; 5.30; 5.43; 6.38; 17.4. No que diz
respeito aos demônios, estes procuram a auto-adoração e própria glorificação
(Jo 4.24).
(2) A suprema autoridade do
Espírito é a Palavra de Deus: Dt 29.29. Demonstrar mais estima e procura por
“revelações ocultas” do que pela revelação bíblica, é um insulto ao Deus
todo-poderoso, que nos criou em amor para que o adorássemos e o servíssemos.
(3) A mensagem principal do
Espírito é o Evangelho de Deus (At 1.2 e 8).
O movimento pentecostal
trouxe à cena evangélica o inusitado e o extraordinário como sendo não apenas
parte da realidade existencial, histórica e religiosa da Igreja, mas como
objeto de anelo e desejo na vida individual de cada crente. Os ensinamentos do
pentecostalismo deixaram a expectativa de que sem estas experiências algo
estaria a faltar na vida do cristão. Era necessário se atingir um patamar
superior, obter-se uma segunda bênção, elevar-se acima do nível do crente
comum. Gerou-se assim uma hierarquia de crentes: os batizados vs. os
não-batizados pelo Espírito Santo, ou, utilizando uma outra terminologia: os
recebedores vs. os “ainda-carentes-de-umasegunda-bênção”.
A questão da cura divina,
trazida pelo pentecostalismo, segue ao longo de linhas paralelas. Ela coloca os
crentes em uma escala hierárquica, qualificando o seu cristianismo, fazendo uma
divisão entre os que atingiram já um patamar de fé que é suficiente a torná-los
recebedores de curas milagrosas vs. aqueles cuja fé é insuficiente ao
recebimento destas bênçãos, que estariam reservadas aos mais aquinhoados
espiritualmente.
O pentecostalismo, prega
essa hierarquia dos salvos estranha à Palavra de Deus, tanto na questão do
batismo pelo Espírito Santo, como na cura divina, como no “falar em línguas” –
áreas às quais os fiéis são direcionados a procurarem como marca de uma
espiritualidade genuína. Aqueles que não experimentaram tais experiências são
levados a avaliar suas vidas como “fria” ou distanciada do “fogo” saudável do
Espírito de Deus.
O movimento carismático e de
renovação foi propagado como sendo uma reação sadia à ortodoxia morta das
igrejas tradicionais. Inegavelmente, muito fervor real foi despertado no
meio de denominações que estavam consideravelmente afastadas da Palavra de Deus
e de suas confissões e credos originais. Muitas haviam abraçado ideias
heréticas e humanistas do racionalismo teológico. Mesmo considerando a
existência de uma guinada positiva em denominações liberais, pela promoção do
estudo das esquecidas Escrituras, a procura pelas experiências, estendida a
denominações fiéis à Palavra de Deus, teve efeito devastador. Divisões,
polarizações, discussões infrutíferas, desprezo aos padrões confessionais, têm
sido resultados comumente observados em igrejas atingidas pelo abraçar de
doutrinas pentecostais.
A divisão das pessoas,
encontrada na Palavra de Deus, com relação ao posicionamento perante o Criador,
nos mostra que todos estão subdivididos em salvos ou perdidos; crentes ou
incrédulos; os que receberam a fé como dom de Deus ou aqueles sem fé que se
encontram no caminho da perdição. Os movimentos, dentro da Igreja, que
acrescentam uma terceira categoria de pessoas, no que diz respeito ao status
espiritual delas perante Deus: os sobrenaturalmente agraciados com um fenômeno
fora do comum, que difere e está além do ato soberano de Deus da salvação, não
encontra base bíblica e representa uma carga injusta lançada sobre os fiéis.
O apóstolo Paulo nos ensina,
em 1 Co 12.13, que “em um só espírito todos nós fomos batizados”. Note que ele
se refere: (1) genericamente, a todos os crentes – sem distinguir uma casta
específica (todos nós); (2) no passado – todos nós, que cremos, fomos
batizados; (3) esse batismo do espírito Santo caracteriza todos que formam “o
corpo” – ou seja, a igreja de Cristo – ele não vem como uma “segunda bênção”.
Isso está em harmonia com Ef 4.5 – que nos ensina que há “um só batismo” e Rm 8.9
– que diz: “se alguém não tem o Espírito de Cristo, este tal não é dele”. Todos
os eleitos de Deus, como salvos, são chamados das trevas para a maravilhosa luz
– essa é a divisão encontrada na Palavra de Deus. Não existe uma hierarquia dos
salvos e, muito menos, salvos não batizados pelo Espírito Santo de Deus.
Existe um grande interesse
na igreja contemporânea nas manifestações sobrenaturais. Na maioria das vezes
esse interesse pelos fenômenos sobrenaturais não procede do sério estudo da
palavra de Deus, mas de sentimentos carnais presentes na fraca visão do homem
natural. Quando Jesus foi pressionado para que realizasse algum sinal
sobrenatural fora do contexto e do propósito soberano de sua missão, apenas
para atender o desejo pelo extraordinário, presente na multidão (Mt 12.39), Ele
dá o seguinte direcionamento aos solicitantes:
a. primeiro, indica que
devem examinar as suas vidas (chama os interlocutores de “geração má e
adúltera”)
b. depois, manda que
eles se dirijam às Escrituras, à história previamente revelada e escriturada,
(devem considerar “o sinal do profeta Jonas”) para obtenção do conhecimento
teológico e prático que diziam procurar.
O segmento pentecostal e
neopentecostal, ao enfatizar um interesse primário pelas manifestações
sobrenaturais, tira o foco da doutrina da providência divina no governo
soberano de todas as atividades. Vemos a tendência, na realidade, de abraçar o
misticismo característico das massas. A Igreja recebe, então, uma visão
destorcida das prioridades de vida, que coloca as questões físicas do homem
como alvo de maior preocupação, do que os problemas metafísicos existentes
entre o homem pecador e o Deus Santo que o criou. além do físico, do visível,
do palpável, do perceptível. Estamos utilizando o termo metafísico como descritivo
do campo das questões eminentemente espirituais (como a salvação, o andar em
justiça e santidade), em contrapartida às questões físicas (doenças,
enfermidades) que, mesmo sendo importantes, estão hierarquicamente abaixo das
anteriores (Mt 10.28).
Onde impera o ávido desejo
pelo inusitado e pelo extraordinário, as Escrituras vão ficando para trás. Na
Confissão de Fé de Westminster (Cap. 1) temos uma das formulações mais
completas, detalhadas e fiel, sobre as doutrinas das Sagradas Escrituras. Ainda
assim, encontramos pastores, oficiais e membros de igrejas que abraçam esta
Confissão, ansiosos pela manifestação de fenômenos sobrenaturais, desejosos de
diretrizes fornecidas por novas revelações, como se algo estivesse faltando à
própria Palavra de Deus para a expressão plena de suas religiosidades.
Não devemos desejar um
cristianismo racional no qual o sobrenatural é ignorado, nem gerar um ceticismo
às atividades das hostes das trevas. Mas devemos procurar manter o sobrenatural
dentro da perspectiva que a própria Palavra nos ensina. A maior ação
sobrenatural de Deus é o milagre da salvação: seu Espírito regenerador, criando
uma nova vida dentro de nós. O governo soberano de Deus, pelo qual ele cumpre
os seus propósitos na história, é o grande alicerce de magnifica
espiritualidade e sobrenaturalidade da nossa religião – por que desprezar esse
conhecimento e essa convicção (Is 8.16-20)? Por que a busca pelo inusitado,
pelas intervenções solicitadas ao nosso serviço e por nossas necessidades?
Na parábola do mendigo
Lázaro, (Lc 16.19-31) o rico, após tomar pleno conhecimento das realidades
espirituais, entre elas a do fogo eterno, da condenação e das tormentas, pede
uma maravilha ao reino dos céus, representado na pessoa de Abraão. Ele quer um
fenômeno extraordinário – gostaria que o mendigo Lázaro, agora com Abraão,
fosse ressuscitado e pessoalmente voltasse à terra dando testemunho daquelas
realidades espirituais aos seus cinco irmãos.
Na sua perspectiva, um
depoimento advindo de uma manifestação tão espetacular certamente faria com que
seus parentes acreditassem na mensagem da verdade. Abraão responde que eles têm
as Escrituras (Moisés e os profetas) e se, com os corações endurecidos, não
respondem ao claro e objetivo ensinamento delas, não será o grande fenômeno da
ressurreição que gerará a credibilidade necessária à salvação.
Essas palavras eram também
proféticas. Deus operou um fenômeno impossível às suas criaturas, ressuscitando
Jesus Cristo ao terceiro dia, mas as pessoas submersas em seus pecados continuam
a rejeitar a mensagem das Escrituras, mesmo após a ressurreição.
Porque a nossa geração deve
retratar a própria atitude, condenada pela parábola – que os fenômenos
extra-naturais é que conduzirão as pessoas à Cristo – quando ele próprio nos
aponta para as Escrituras (Jo 5.39)? Por que desprezarmos o grande fenômeno, bíblico
e historicamente comprovado, da ressurreição de Cristo, procurando
manifestações duvidosas contemporâneas?
Fé Cristã e Misticismo,
Matos, Portela, Lopes, Campos
Religião de Poder, Michael
Horton
Lc 16.19-31 – O Rico e
Lázaro. Os estudo das Escrituras está acima dos milagres.
Jo 14.16-26 – O Filho envia
o Espírito da Verdade.Jo 16.7-14 – O Espírito Santo não fala de si mesmo, mas
revela o Filho.
1 Co 12.12-27 – Já fomos
batizados em um só corpo.
Ef 4.1-6 – Participamos de
um só batismo.
Is 8.16-20 – O grande sinal
e maravilha: o Povo de Deus resgatado.
Jo 5.36-47 – A grande
importância do testemunho das Escrituras, acima da experiência.
_______________________________________________
TEOLOGIA RELACIONAL: UM NOVO dEUS NO MERCADO
Por: Rev.
Dr. Augustus Nicodemus
As ondas
gigantes que provocaram a tremenda catástrofe na Ásia no final de dezembro de
2004 afetaram também os arraiais evangélicos, levantando perguntas acerca de
Deus, seu caráter, seu poder, seu conhecimento, seus sentimentos e seu
relacionamento com o mundo e as pessoas diante de tragédias como aquela. Dentre
as diferentes respostas a essas perguntas, uma chama a atenção pela ousadia de
suas afirmações: Deus sofreu muito com a tragédia e certamente não a havia
determinado ou previsto; ele simplesmente não pôde evitá-la, pois Deus não
conhece o futuro, não controla ou guia a história, e não tem poder para fazer
aquilo que gostaria. Esta é a concepção de Deus defendida por um movimento
teológico conhecido como teologia relacional, ou ainda, teísmo aberto ou
teologia da abertura de Deus.
A teologia relacional, como movimento, teve início
em décadas recentes, embora seus conceitos sejam bem antigos. Ela ganhou
popularidade por meio de escritores norte-americanos como Greg Boyd, John
Sanders e Clark Pinnock. No Brasil, estas idéias têm sido assimiladas e
difundidas por alguns líderes evangélicos, às vezes de forma aberta e
explícita.
A teologia relacional considera a concepção
tradicional de Deus como inadequada, ultrapassada e insuficiente para explicar
a realidade, especialmente catástrofes como o tsunami de dezembro de 2004, e se
apresenta como uma nova visão sobre Deus e sua maneira de se relacionar com a
criação. Seus pontos principais podem ser resumidos desta forma:
1. O atributo mais importante de Deus é o amor.
Todos os demais estão subordinados a este. Isto significa que Deus é sensível e
se comove com os dramas de suas criaturas.
2. Deus não é soberano. Só pode haver real
relacionamento entre Deus e suas criaturas se estas tiverem, de fato, capacidade
e liberdade para cooperarem ou contrariarem os desígnios últimos de Deus. Deus
abriu mão de sua soberania para que isto ocorresse. Portanto, ele é incapaz de
realizar tudo o que deseja, como impedir tragédias e erradicar o mal. Contudo,
ele acaba se adequando às decisões humanas e, ao final, vai obter seus
objetivos eternos, pois redesenha a história de acordo com estas decisões.
3. Deus ignora o futuro, pois ele vive no tempo, e
não fora dele. Ele aprende com o passar do tempo. O futuro é determinado pela
combinação do que Deus e suas criaturas decidem fazer. Neste sentido, o futuro
inexiste, pois os seres humanos são absolutamente livres para decidir o que
quiserem e Deus não sabe antecipadamente que decisão uma determinada pessoa
haverá de tomar num determinado momento.
4. Deus se arrisca. Ao criar seres racionais
livres, Deus estava se arriscando, pois não sabia qual seria a decisão dos
anjos e de Adão e Eva. E continua a se arriscar diariamente. Deus corre riscos
porque ama suas criaturas, respeita a liberdade delas e deseja relacionar-se
com elas de forma significativa.
5. Deus é vulnerável. Ele é passível de sofrimento
e de erros em seus conselhos e orientações. Em seu relacionamento com o homem,
seus planos podem ser frustrados. Ele se frustra e expressa esta frustração
quando os seres humanos não fazem o que ele gostaria.
6. Deus muda. Ele é imutável apenas em sua
essência, mas muda de planos e até mesmo se arrepende de decisões tomadas. Ele
muda de acordo com as decisões de suas criaturas, ao reagir a suas próprias
decisões. Os textos bíblicos que falam do arrependimento de Deus não devem ser
interpretados de forma figurada. Eles expressam o que realmente acontece com
Deus.
Estes conceitos sobre Deus decorrem da lógica
adotada pela teologia relacional quanto ao conceito da liberdade plena do
homem, que é o ponto doutrinário central da sua estrutura, a sua "menina
dos olhos". De acordo com a teologia relacional, para que o homem tenha
realmente pleno livre arbítrio, suas decisões não podem sofrer qualquer tipo de
influência externa ou interna. Portanto, Deus não pode ter decretado estas
decisões e nem mesmo tê-las conhecido antecipadamente. Desta forma, a teologia
relacional rejeita não somente o conceito de que Deus preordenou todas as
coisas (calvinismo) como também o conceito de que Deus sabe todas as coisas
antecipadamente (arminianismo tradicional). Neste sentido, o assunto deve ser
entendido, não como uma discussão entre calvinistas e arminianos, mas destes
dois contra a teologia relacional. Vários líderes calvinistas e arminianos no
âmbito mundial têm considerado esta visão da teologia relacional como alheia ao
Cristianismo.
A teologia relacional traz um forte apelo a alguns
evangélicos, pois diz que Deus está mais próximo de nós e se relaciona mais
significativamente conosco do que tem sido apresentado pela teologia
tradicional. Segundo os teólogos relacionais, o Cristianismo histórico tem
apresentado um Deus impassível, que não se sensibiliza com os dramas de suas
criaturas. A teologia relacional, por sua vez, pretende apresentar um Deus mais
humano, que constrói o futuro mediante o relacionamento com suas criaturas. Os
seres humanos são, dessa forma, co-participantes com Deus na construção do
futuro, podendo, na verdade, determiná-lo por suas atitudes.
Contudo, a teologia relacional não é novidade. Ela
tem raízes em conceitos antigos de filósofos gregos, no socinianismo (que
negava exatamente que Deus conhecia o futuro, pois atos livres não podem ser
preditos) e especialmente em ideologias modernas, como a teologia do processo.
O que ela tem de novo é que virou um movimento teológico composto de escritores
e teólogos que se uniram em torno dos pontos comuns e estão dispostos a
persuadir a igreja cristã a abandonar seu conceito tradicional de Deus e a
convencê-la que esta "nova" visão de Deus é evangélica e bíblica.
Mesmo tendo surgido como uma reação a uma possível
ênfase exagerada na impassividade e transcendência de Deus, a teologia
relacional acaba sendo um problema para a Igreja Evangélica, especialmente em
seu conceito sobre Deus. Embora os evangélicos tenham divergências profundas em
algumas questões, reformados, arminianos, wesleyanos, pentecostais,
tradicionais, neopentecostais e outros, todos concordam, no mínimo, que Deus
conhece todas as coisas, que é onipotente e soberano. Entretanto, o Deus da
teologia relacional é totalmente diferente daquele da teologia cristã. Não se
pode afirmar que os adeptos da teologia relacional não são cristãos, mas que o
conceito que eles têm de Deus é, no mínimo, estranho ao Cristianismo histórico.
Ao declarar que o atributo mais importante de Deus
é o amor, a teologia relacional perde o equilíbrio entre as qualidades de Deus
apresentadas na Bíblia, dentre as quais o amor é apenas uma delas. Ao dizer que
Deus ignora o futuro, é vulnerável e mutável, deixa sem explicação adequada
dezenas de passagens bíblicas que falam da soberania, do senhorio, da
onipotência e da onisciência de Deus (Isaías 46.10a; Jó 28; Jó 42.2; Salmo 90;
Salmo 139; Romanos 8.29; Efésios 1; Tiago 1.17; Malaquias 3.6; Gn 17.1 etc.).
Ao dizer que Deus não sabia qual a decisão de Adão e Eva no Éden, e que mesmo
assim arriscou-se em criá-los com livre arbítrio, a teologia relacional o
transforma num ser irresponsável. Ao falar do homem como co-construtor de Deus
de um futuro que inexiste, a teologia relacional esquece tudo o que a Bíblia
ensina sobre a queda e a corrupção do homem. Ao fim, parece-nos que na
tentativa extrema de resguardar a plena liberdade do arbítrio humano, a
teologia relacional está disposta a sacrificar a divindade de Deus. Ao limitar
sua soberania e seu pleno conhecimento, entroniza o homem livre, todo-poderoso,
no trono do universo, e desta forma, deixa-nos o desespero como única
alternativa diante das tragédias e catástrofes deste mundo e o ceticismo como
única atitude diante da realidade do mal no universo, roubando-nos o final
feliz prometido na Bíblia. Pois, afinal, poderá este Deus ignorante, fraco,
mutável, vulnerável e limitado cumprir tudo o que prometeu?
Com certeza a visão tradicional de Deus adotada
pelo cristianismo histórico por séculos não é capaz de responder exaustivamente
a todos os questionamentos sobre o ser e os planos de Deus. Ela própria é a
primeira a admitir este ponto. Contudo, é preferível permanecer com perguntas
não respondidas a aceitar respostas que contrariem conceitos claros das
Escrituras. Como já havia declarado Jó há milênios (42.2,3): "Bem sei que
tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado. Quem é aquele, como
disseste, que sem conhecimento encobre o conselho? Na verdade, falei do que não
entendia; cousas maravilhosas demais para mim, coisas que eu não
conhecia."
A MALDIÇÃO DO HOMEM MODERNO
Por: A.
W. Tozer
Existe uma maldição antiga
que permanece conosco até hoje — a disposição da sociedade humana de ser
completamente absorvida por um mundo sem Deus.
Embora Jesus Cristo tenha
vindo a este mundo, este é o pecado supremo dos incrédulos, o qual levou o
homem a não sentir — nem sentirá — a presença dEle que permeia todas as coisas.
O homem não pode ver a verdadeira Luz, tampouco pode ouvir a voz do Deus de
amor e verdade.
Temos nos tornado uma
sociedade “profana” — completamente envolvida em nada mais do que os aspectos
físico e material desta vida terrena. Homens e mulheres se gloriam do fato de
que são capazes de viver em casas luxuosas, vestir roupas de estilistas famosos
e dirigir os melhores carros que o dinheiro pode comprar — coisas que as
gerações anteriores nunca puderam ter.
Esta é a maldição que jaz
sobre o homem moderno — ele é insensível, cego e surdo em sua prontidão de
esquecer que existe um Deus. Aceitou a grande mentira e crença estranha de que
o materialismo constitui a boa vida. Mas, querido amigo, você sabe que o seu
grande pecado é este: a presença eterna de Deus, que alcança todas as coisas,
está aqui, e você não pode senti-Lo de maneira alguma, nem O reconhece no menor
grau? Você não está ciente de que existe uma grande e verdadeira Luz que
resplandece intensamente e que você não pode vê-la? Você não tem ouvido, em sua
consciência e mente, uma Voz amável sussurrando a respeito do valor e
importância eterna de sua alma, mas, apesar disso, tem dito: “Não ouço nada?”
Muitos homens imprudentes e
inclinados ao secularismo respondem: “Bem, estou disposto a agarrar minhas
chances”. Que conversa tola de uma criatura frágil e mortal! Isto é tolice
porque os homens não podem se dar ao luxo de agarrar as suas chances — quer
sejam salvos e perdoados, quer sejam perdidos. Com certeza, esta é a grande
maldição que jaz sobre a humanidade de nossos dias — os homens estão envolvidos
de tal modo em seu mundo sem Deus, que recusam a Luz que agora brilha, a Voz
que fala e a Presença que permeia e muda os corações.
Por isso, os homens buscam
dinheiro, fama, lucro, fortuna, entretenimento permanente ou apego aos
prazeres. Buscam qualquer coisa que lhes removam a seriedade do viver e que os
impeça de sentir que há uma Presença, que é o caminho, a verdade e a vida.
Eu mesmo fui ignorante até
aos 17 anos, quando ouvi, pela primeira vez, a pregação na rua e entrei numa
igreja onde ouvi um homem citando uma passagem das Escrituras: “Vinde a mim,
todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre
vós o meu jugo e aprendei de mim... e achareis descanso para a vossa alma” (Mt
11. 28,29).
Eu era realmente pouco
melhor do que um pagão, mas, de repente, fiquei muito perturbado, pois comecei
a sentir e reconhecer a graciosa presença de Deus. Ouvi a voz dEle em meu
coração falando indistintamente. Discerni que havia uma Luz resplandecendo em
minhas trevas.
Novamente, andando pela rua,
parei para ouvir um homem que pregava, em um cantinho, e dizia aos ouvintes:
“Se vocês não sabem orar, vão para casa, ajoelhem-se e digam: Ó Deus, tem
misericórdia de mim, pecador”. Isso foi exatamente o que eu fiz. E Deus
prometeu perdoar e satisfazer qualquer pessoa que estiver com bastante fome
espiritual e muito interessado, a ponto de clamar: “Senhor, salva-me!”
Bem, Ele está aqui agora. A
Palavra, o Senhor Jesus Cristo, se tornou carne e habitou entre nós; e ainda está
entre nós, disposto e capaz de salvar. A única coisa que alguém precisa fazer é
clamar com um coração humilde e necessitado: “ó Cordeiro de Deus, eu venho a
Ti; eu venho a Ti!”
________________________________________________________________________
AS 95 TESES DE MARTINHO LUTERO.
Por amor à verdade e no empenho de elucidá-la, discutir-se-á o seguinte em Wittenberg, sob a presidência do reverendo padre Martinho Lutero, mestre de Artes e de Santa Teologia e professor catedrático desta última, naquela localidade. Por esta razão, ele solicita que os que não puderem estar presentes e debater conosco oralmente o façam por escrito, mesmo que ausentes. Em nome do nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.
1 - Ao dizer: “Fazei penitência”, etc. (Mt 4.17), nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo quis que toda a vida dos fiéis fosse penitência.
2 - Esta expressão não pode ser entendida no sentido da penitência sacramental (isto é da confissão e satisfação celebrada pelo ministério dos sacerdotes)
3 - No entanto, ela não se refere a uma penitência interior; sim, a penitência interior seria nula se, extremamente, não produzisse toda sorte de mortificações da carne.
4 - Por consequência, a pena perdura enquanto persiste o ódio de si mesmo (isto é a verdadeira penitência interior), ou seja, até a entrada no reino dos céus.
5 - O papa não quer nem pode dispensar de quaisquer penas senão daquele que impôs por decisão própria ou dos cânones.
6 - O papa não pode remitir culpa alguma senão declarando e confirmando que ela foi perdoada por Deus, ou, sem dúvida, remitindo-a nos casos reservados para si; se estes forem desprezados, a culpa permanecerá por inteiro.
7 - Deus não perdoa a culpa de qualquer pessoa sem, ao mesmo tempo, sujeitá-la, em tudo humilhada, ao sacerdote, seu vigário.
8 - Os cânones, penitenciais são impostos apenas aos vivos; segundo os mesmos cânones, nada deve ser imposto aos moribundos.
9 - Por isso o Espírito Santo nos beneficia através do papa quando este, em seus decretos, sempre exclui a circunstância da morte e da necessidade.
10 - Agem mal e sem conhecimento de causa aqueles sacerdotes que reservam aos moribundos penitências canônicas para o purgatório.
11 - Essa erva daninha de transformar a pena canônica em pena do purgatório parece ter sido semeada enquanto o bispos certamente dormiam.
12 - Antigamente se impunham as penas canônicas não depois, mas antes da absolvição, como verificação da verdadeira contrição.
13 - Através da morte, os moribundos pagam tudo e já estão mortos para as leis canônicas, tendo, por direito, isenção das mesmas.
14 - Saúde ou amor imperfeito no moribundo necessariamente traz consigo grande temor e tanto mais, quanto menor for o amor.
15 - Este temor e horror por si sós já bastam (para não falar de outras coisas) para produzir a pena do purgatório, uma vez que estão próximos do horror do desespero.
16 - Inferno, purgatório e céu parecem diferir da mesma forma que o desespero, o semidesespero e a segurança.
17 - Parece necessário, para as almas no purgatório, que o horror diminua na medida em que cresce o amor.
18 - Parece não ter sido provado, nem por meio de argumentos racionais nem da Escritura, que elas se encontram fora do estado de mérito ou crescimento no amor.
19 - também parece não ter sido provado que as almas no purgatório estejam certas e seguras de sua bem-aventurança, ao menos não todas, mesmo que nós, de nossa parte, tenhamos plena certeza.
20 - Portanto, sob remissão plena de todas as penas o papa não entende simplesmente todas, mas somente aquelas que ele mesmo impôs.
21 - Erram, portanto, os pregadores de indulgências que afirmam que a pessoa é absolvida de toda pena e salva pelas indulgências do papa.
22 - Com efeito, ele não dispensa as almas no purgatório de uma única pena que, segundo os cânones, elas deveriam ter pago nesta vida.
23 - Se é que se pode dar algum perdão de todas as penas a alguém, ele certamente só é dado aos mais perfeitos, isto é, pouquíssimos.
24 - Por isso, a maior parte do povo está sendo necessariamente ludibriada por essa magnífica e indistinta promessa de absolvição da pena.
25 - O mesmo poder que o papa tem sobre o purgatório de modo geral, qualquer bispo e cura têm em sua diocese e paróquia em particular.
26 - O papa faz muito bem ao dar remissão às almas não pelo poder das chaves (que ele não tem), mas por meio de intercessão.
27 - Pregam doutrina humana os que dizem que, tão logo tilintar a moeda lançada na caixa, a alma sairá voando.
28 - certo é que, ao tilintar a moeda na caixa, podem aumentar o lucro e a cobiça; a intercessão da Igreja, depende apenas da vontade de Deus.
29 - E quem é que sabe se todas as almas no purgatório querem ser resgatadas ? Diz-se que este não foi o caso com S. Severino e S. Pascoal.
30 - Ninguém tem certeza da veracidade de sua contrição, muito menos de haver conseguido plena remissão.
31 - Tão raro como quem é penitente de verdade é quem adquire autenticamente as indulgências, ou seja, é raríssimo.
32 - Serão condenados em eternidade, juntamente com seu mestres, aqueles que se julgam seguros de sua salvação através de carta de indulgência.
33 - Deve-se ter muita cautela com aqueles que dizem serem as indulgências do papa aquela inestimável dádiva de Deus através da qual a pessoa é conciliada com Deus.
34 - Pois aquelas graças das indulgências se referem somente às penas de satisfação sacramental, determinadas por seres humanos.
35 - Não pregam cristãmente os que ensinam não ser necessária a contrição àqueles que querem resgatar almas ou adquirir breves confessionais.
36 - qualquer cristão verdadeiro, seja vivo, seja morto, tem participação em todos os bens de Cristo e da igreja, por dádiva de Deus, mesmo sem carta de indulgência.
38 - Mesmo assim, a remissão e participação do papa de forma alguma devem ser desprezadas, porque (como disse) constituem declaração do perdão divino.
39 - Até mesmo para os mais doutos teólogos é dificílimo exaltar perante o povo, ao mesmo tempo, a liberalidade das indulgências e a verdadeira contrição.
40 - A verdadeira contrição procura e ama as penas , ao passo que a abundância das indulgências as afrouxa e faz odiá-las, pelo menos dando ocasião para tanto.
41 - Deve-se pregar com muita cautela sobre as indulgências apostólicas, para que o povo não as julgue erroneamente como preferíveis às demais boas obras de amor.
42 - Deve-se ensinar aos cristãos que não é pensamento do papa que a compra de indulgências possa de alguma forma ser comparada com as obras de misericórdia.
43 - Deve-se ensinar aos cristãos que, dando ao pobre ou emprestando ao necessitado, procedem melhor do que se comprassem indulgências.
44 - Ocorre que através da obra de amor cresce o amor e a pessoa se torna melhor, ao passo que com as indulgências ela não se torna melhor, mas apenas mais livre de pena.
45 - Deve-se ensinar aos cristãos que, quem vê um carente e o negligencia para gastar com indulgências obtém para si não as indulgências do papa, mas a ira de Deus.
46 - Deve-se ensinar aos cristãos que, se não tiverem bens em abundância, devem conservar o que é necessário para sua casa e de forma alguma desperdiçar dinheiro com indulgências.
47 - Deve-se ensinar aos cristãos que a compra de indulgências é livre e não constitui obrigação.
48 - Deve-se ensinar aos cristãos que, ao conceder indulgências, o papa, assim como mais necessita, da mesma forma mais deseja uma oração devota a seu favor do que o dinheiro que se está pronto a pagar.
49 - Deve-se ensinar aos cristãos que as indulgências do papa são úteis se não depositam sua confiança nelas, porém extremamente prejudiciais se perdem o temor de Deus por causa delas.
50 - Deve-se ensinar aos cristãos que, se o papa soubesse das exações do pregadores de indulgências, preferiria reduzir a cinzas a Basílica de S. Pedro do que edificá-la com a pele, a carne e os ossos de suas ovelhas.
51 - Deve-se ensinar aos cristãos que o papa estaria disposto - como é seu dever - a dar do seu dinheiro àqueles muitos de quem alguns pregadores de indulgências extraem ardilosamente o dinheiro, mesmo que para isto fosse necessário vender a Basílica de S. Pedro.
52 - Vã é a confiança na salvação por meio de cartas de indulgências, mesmo que o comissário ou mesmo o próprio papa desse sua alma como garantia pelas mesmas.
53 - São inimigos de Cristo e do papa aqueles que, por causa da pregação de indulgências, fazem calar por inteiro a palavra de Deus nas demais igrejas.
54 - Ofende-se a palavra de Deus quando, em um mesmo sermão, se dedica tanto ou mais tempo às indulgências do que a ela.
55 - A atitude do papa é necessariamente esta: se as indulgências (que são o menos importante) são celebradas com um toque de sino, uma procissão e uma cerimônia, o Evangelho (que é o mais importante) deve ser anunciado com uma centena de sinos, procissões e cerimônias.
56 - Os tesouros da igreja, dos quais o papa concede as indulgências, não são suficientemente mencionados nem conhecidos entre o povo de Cristo.
57 - É evidente que eles certamente não são de natureza temporal, visto que muitos pregadores não os distribuem tão facilmente, mas apenas os ajuntam.
58 - Eles tampouco são os méritos de Cristo e dos santos, pois estes sempre operam, sem o papa, a graça do ser humano interior e a cruz, a morte e o inferno do ser humano exterior.
59 - S. Lourenço disse que os pobres da igreja são os tesouros da mesma, empregando, no entanto, a palavra como era usada em sua época
60 - É sem temeridade que dizemos que as chaves da igreja, que lhe foram proporcionadas pelo mérito de Cristo, constituem este tesouro.
61 - Pois está claro que, para a remissão das penas e dos casos, o poder do papa por si só é suficiente.
62 - O verdadeiro tesouro da igreja é o santíssimo Evangelho da glória e da graça de Deus.
63 - Este tesouro, entretanto, é o mais odiado, e com razão, porque faz com que os primeiros sejam os últimos.
64 - Em contrapartida, o tesouro das indulgências é o mais benquisto, e com razão, pois faz do últimos os primeiros.
65 - Por esta razão, os tesouros do Evangelho são as redes com que outrora se pescavam homens possuidores de riquezas.
66 - As indulgências, por sua vez, são as redes com que hoje se pesca a riqueza dos homens.
67 - As indulgências apregoadas pelos vendedores como as maiores graças realmente podem ser entendidas como tal, na medida em que dão boa renda.
68 - Entretanto, na verdade elas são graças mais ínfimas em comparação com a graça de Deus e a piedade da cruz.
69 - Os bispos e curas têm a obrigação de admitir com toda a reverência os comissários de indulgências apostólicas.
70. Têm, porém, a obrigação ainda maior de observar com os dois olhos e atentar com ambos os ouvidos para que esses comissários não preguem os seus próprios sonhos em lugar do que lhes foi incubido pelo papa.
71 - Seja excomungado e maldito quem falar contra a verdade das indulgências apostólicas.
72 - Seja bendito, porém, quem ficar alerta contra a devassidão e licenciosidade das palavras de um pregador de indulgências.
73 - Assim como o papa com razão fulmina aqueles que de qualquer forma procuram defraudar o comércio de indulgências
74 - Muito mais deseja fulminar aqueles que, a pretexto das indulgências, procuram defraudar a santa caridade e verdade.
75 - A opinião de que as indulgências papais são tão eficazes ao ponto de poderem absolver um homem mesmo que tivesse violentado a mãe de Deus, caso isso fosse possível, é loucura.
76 - Afirmamos, pelo contrário, que as indulgências papais não podem anular sequer o menor dos pecados veniais no que se refere à sua culpa.
77 - A afirmação de que nem mesmo S. Pedro, caso fosse o papa atualmente, poderia conceder maiores graças é blasfêmia contra São Pedro e o papa.
78 - Afirmamos, ao contrário, que também este, assim como qualquer papa, tem graças maiores, quais sejam o Evangelho, os poderes, os dons de curar, etc., como está escrito em 1 Co 12.
79 - É blasfêmia dizer que a cruz com as armas do papa, insignemente erguida, equivale à cruz de Cristo.
80 - Terão que prestar contas os bispos, curas e teólogos que permitem que semelhantes conversas sejam dinfundidas entre o povo.
81 - Essa lincenciosa pregação de indulgências faz com que não seja fácil, nem para homens doutos, defender a dignidade do papa contra calúnias ou perguntas, sem dúvida argutas, dos leigos.
82 - Por exemplo: por que o papa não evacua o purgatório por causa do santíssimo amor e da extrema necessidade das almas - o que seria a mais justa de todas as causas -, se redime um número infinito de almas por causa do funestíssimo dinheiro para a construção da basílica - que é uma causa tão insignificante ?
82 - Por exemplo: por que o papa não evacua o purgatório por causa do santíssimo amor e da extrema necessidade das almas - o que seria a mais justa de todas as causas -, se redime um número infinito de almas por causa do funestíssimo dinheiro para a construção da basílica - que é uma causa tão insignificante ?
83 - Do mesmo modo: por que se mantêm as exéquias e os aniversários dos falecidos e por que ele não restitui ou permite que se recebam de volta as doações efetuadas em favor deles visto que já não é justo orar pelos redimidos ?
84 - Do mesmo modo: que nova piedade de Deus e do papa é essa: por causa do dinheiro, permitem ao ímpio e inimigo redimir uma alma piedosa e amiga de Deus, porém não a redimem por causa da necessidade da mesma alma piedosa e dileta, por amor gratuito ?
85 - Do mesmo modo: por que os cânones penitenciais - de fato e por desuso já muito revogados e mortos - ainda assim são remidos com dinheiro, pela concessão de indulgências, como se ainda estivessem em pleno vigor ?
86 - Do mesmo modo: por que o papa, cuja fortuna hoje é maior que a dos mais ricos Crassos, não constrói com seu próprio dinheiro ao menos esta uma Basílica de São Pedro, ao invés de fazê-lo com o dinheiro dos pobres fiés ?
87 - Do mesmo modo: o que é que o papa perdoa e concede àqueles que, pela contrição perfeita, têm direito a remissão e participação plenária ?
88 - Do mesmo modo: que benefício maior se poderia proporcionar à igreja do que se o papa, assim como agora o faz uma vez, da mesma forma concedesse essas remissões e participações 100 vezes ao dia a qualquer dos fiéis ?
89 - Já que, com as indulgências, o papa procura mais a salvação das almas do que o dinheiro, por que suspende as cartas e indulgências outrora já concedidas, se são igualmente eficazes ?
90 - Reprimir esses argumentos muito perspicazes dos leigos somente pela força, sem refutá-los apresentando razões, significa expor a Igreja e o papa à zombaria dos inimigos e desgraçar os cristãos.
91 - Se, portanto, as indulgências fossem pregadas em conformidade com o espírito e a opinião do papa, todas essas objeções poderiam ser facilmente respondidas e nem mesmo teriam surgido
92 - Fora, pois, com todos esses profetas que dizem ao povo de Cristo: “Paz, paz!” sem que haja paz !
93 - Que prosperem todos os profetas que dizem ao povo de Cristo: “Cruz ! cruz !” sem que haja cruz !
94 - Devem-se exortar os cristãos a que se esforcem por seguir a Cristo, seu cabeça, através de penas, da morte e do inferno;
95 - e, assim, a que confiem que entrarão no céu antes através de muitas tribulações do que pela segurança da paz.
Martinho Lutero
Wittenberg, 31 de Outubro de 1517.
Nenhum comentário:
Postar um comentário